A vanguarda paulista - Da Lira aos alinhamentos com os ideais do movimento - Divagações

São Paulo, capital: Do Oeste da Vila Madalena para além do outro lado do rio da Zona Norte da Vila Maria. Final da década de 70 do século XX.

Quais foram as consequências da não absorção pelo 'mercado' ou indústria cultural 'brasileira' das obras artísticas e dos artistas envolvidos com a vanguarda paulista em seu período auge? 

Sabemos da importância dos grandes veículos de comunicação na construção de nossas 'modas', 'tendências' e 'movimentos' que refletem-se em nossa 'identidade'... refletem-se pois pequenas 'modas ou tendências' são identificadas e superrepresentadas para milhares...


O movimento paulista mesclava música, performance, improvisações teatrais, figurinos descolados, encenações performativas, tudo isso acontecendo sob o mundo underground da cidade mais populosa e agitada da América Latina. Por que pouco conhecemos? Será que naquele tempo o povo paulista estava ainda encantado com a Era dos Festivais, com a Jovem Guarda, e contrariados, 'por não entenderem nada', da Tropicália? Ou ocupados demais com suas longas jornadas de trabalho? Com a ânsia para a abertura democrática? Essa última é uma plausível indagação?!


Artistas irreverentes e rebeldes que afrontavam com inteligência e objetivo, as estruturas da ditadura militar brasileira já em seu declínio com a chegada da virada democrática no país, as Diretas livres e já em curso  com o apelo, apoio e união dos movimentos sociais e grande parte dos cidadãos brasileiros. 


O movimento que recebeu da crítica o nome de 'Vanguarda Paulista' foi bem recebido pela imprensa escrita pela ousadia e experimentalismo dos artistas envolvidos; lotavam o espaço de apresentação (de início existia apenas 1 point) reservado a um público específico. Com o passar dos anos, tornou-se uma atração 'mainstream cult' ou seja "algo mais reservado", conforme dito por um de seus principais expoentes na ativa até hoje, Arrigo Barnabé, numa entrevista-reportagem (abaixo citada) que também expressa a vitalidade e genialidade de Itamar Assumpção, que figura ao lado deste primeiro citado, principal expoente; dentre outros tais como Luiz Tatit com Grupo Rumo, a banda Isca de Polícia, Luiz Chagas, a galera do Premeditando o Breque (hoje Premê), Ná Ozzetti, Tetê Espíndola, Ratos de Porão, Língua de Trapos. Fizeram muitos cacos e barulho, causaram uma verdadeira mudança, se não revolução na forma de manifestação cultural no país, a começar entre os estudantes e intelectuais paulistanos que movimentavam as ruas e a cena cultural da época.   


Segundo informações de Mateus Vidigal para o Correio Braziliense: "ignorado pelo rádio e pela televisão", a vanguarda paulista, atrelados à estudantes da USP de modo não oficial ligado à universidade, teve seu período profícuo bastante vinculado à abertura e fechamento do Teatro Lira Paulistana (1979 a 1986), um pequeno teatro de arena com arquibancadas e acomodação para 150 lugares (segundo o wikipédia acessado em 15/03/2020), situado na rua Teodoro Sampaio em Pinheiros, na região da praça Benedito Calixto, que marcava o local exato dos encontros daquela geração alternativa, foi lá onde Itamar Assumpção lançou seu álbum de estreia, também na vanguarda das gravadoras independentes no país,  'Beleléu, Léleu e Eu' (1980) acompanhado da banda 'Isca de Polícia'. Segundo sua filha, a artista Anelis Assumpção para o jornal citado: “Ele nunca disse ‘agora sou vanguardista, vou fazer uma música assim ou assado.’ Ele sempre continuou fazendo o que ele fazia, da forma como achava que tinha que acontecer. Eu ainda vejo a dimensão do movimento da Vanguarda acontecendo depois. Agora, embora ainda seja pouco consumido e valorizado, ele está sendo dimensionado.”


Em busca de uma fração da identidade nacional perdida, onde sabemos que pela complexidade e culturas brasileiras, essa dá-se de uma maneira poliédrica, por várias faces, que é injusta muitas vezes em sua representação por estarem boas partes das frações estreladas aos locais onde geram-se e movimentam-se maior quantidade de capital, porém até mesmo nestes grandes centros de capital financeiro, interligados por eixos, e 'pasteurizados' por identidades de vieses hegemônicos e ou 'típicos/peculiares', as margens cantam e se expressam com uma potência vibrante e extraordinária, por ser explícita e tocante em sua verdade e liberdade. Margens que aqui as 'águas de suas terras' refletem o não estar atrelado ao mainstream ou ao consumo de massa, mas que com sua influência paralela é capaz de alterar toda uma lógica de ação segregadora de corpos, estilos e movimentos dentro e fora da cidade. (ressalto que o advento da internet aconteceria apenas em 1988 e os telefones móveis, a começar pelo tijolão, a partir de 1990). 

A não absorção manteve os artistas desconhecidos do grande público, por outro lado manteve as obras dentro dos ideais vanguardistas (fazendo aqui uma vulgar comparação com as Vanguardas Europeias, ou melhor, com as primeiras vanguardas históricas, lembrando que a Fonte de Duchamp foi aceita e exposta em museu, porém a intenção não era ser uma obra-de-arte e sim uma crítica da arte), uma vez que as conhecidas neo-vanguardas, o happening, a performance (já sistematizada como linguagem), a body art, eat art, dentras outras, surgidas na América do Norte, pós-segunda guerra, encenavam os ideais das primeiras, sendo suas manifestações 'amplamente' absorvidas pelo campo artístico institucionalizado.

Em relação à denominação de vanguarda “Ele sempre reclamou”, diz Anelis Assumpção acerca de seu pai. “Uma palavra de origem francesa, europeia, para denominar um artista negro. É uma lobotomia, que nos apaga, que apaga nossas origens. É como se a gente precisasse inventar outras palavras para existir.” (trecho retirado da matéria escrita por Leandro Nunes para o jornal Estadão, onde aborda as comemorações artísticas que vem acontecendo em homenagem aos 70 anos de Itamar - falecido aos 51 anos em 2003.)


Um passado não muito distante, que devemos realizar um movimento anafórico de rememoração de seu brilho?! Um reavivamento para que aprendamos e saibamos da resistência,  luta e das diversões regadas à liberdade e amor de jovens artistas paulistas e radicados que se reuniram e experimentaram as aventuras na Paulicéia Desvairada, quase 60 anos após a semana de arte moderna de 22, contribuindo para o experimentalismo, atônico, cacofônico, performático na música, nas artes cênicas, na cultura do Brasil! Como citado por Anelis, o movimento está aí, e sendo redimensionado, os herdeiros diretos dessa geração, são os artistas que desde lá continuam suas trajetórias, e também os filhos da geração, tais como Anelis Assumpção, Tulipa e Gustavo Ruiz, Laura Laviere, Tim Bernardes, Mariana Aydar, dentre outros jovens músicos, artistas, com trabalhos primorosos na recentíssima atualidade.


A classe artística paulista alternativa é bem restrita entre os seus agentes e público, e a mídia como aliada dos grandes movimentos,  nesta era da pós-verdade, onde os mitos e narrativas são desvelados, devido aos avanços tecnológicos, estes aliados das grandes corporações, começam a voltar seus olhares para o invisibilizado, o marginal, a periferia, os subúrbios, para os póros, para as dobras, onde viver é um ato revolucionário diariamente, e os artistas que deles surgem, por atrelarem vida e arte, realidade e ficção para conjugar assim suas necessidades e vontades de mudanças na vida cotidiana coletiva nos traz e aponta as novidades das evolutivas reivindicações.

Acalmemo-nos e libertemo-nos!


(imagem rizomática da dissertação de Victor Damasceno)

(casa lira paulistana)



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