A MÁSCARA MORTUÁRIA DO TEATRO FRANCÊS
LE
MASQUE MORTUAIRE DU THÉÂTRE FRANÇAIS
cargocollective.com
autor
anônimo
tradução
de Herbert Silva Leão
21/02/2022
A MÁSCARA MORTUÁRIA DO TEATRO FRANCÊS
A máscara mortuária do teatro com
Isabelle Huppert em cena em ‘O Jardim das Cerejeiras,’ peça teatral encenada
por Tiago Rodrigues no Teatro Odeon, é a mais bela das alegorias do teatro
francês na atualidade.
Uma avalanche de encenações das
peças dramatúrgicas de Tchekhov, subsidiadas por uma arte de encenação exuberante
que se abstém de mascarar sua falta de sentido e de razão para suas adaptações
se mostram incapazes de darem um sentido que possa interessar-nos.
Essa fenômeno estranho da nossa
contemporaneidade tem nos dado, por efeito de mimetismo, dezenas de adaptações
desnecessárias de um autor que tem tido seus textos dramatúrgicos deturpados. Isso
poderia ser interessante para os antropólogos do futuro, caso esse traço de
futilidade tivesse alguma possibilidade de chegar até eles. Ficaríamos felizes em
pensar que os pesquisadores teriam nos séculos seguintes outra coisa melhor a
ser feita do que vasculhar programas de espetáculos visto e digeridos em nossa
época.
A gente não pode se surpreender —
pela enxurrada de adaptações que tentam a todo custo justificar a existência de
uma cena teatral que busca suas raízes em obras que não podem de forma alguma
ser atualizadas — a não ser através de um enfoque muito preciso, politicamente
útil e delimitado: que possa permitir que o burguês se veja no espelho
(passado) e que lhe satisfaça de uma forma vã e perfeitamente espectral e
eterna de seus problemas e neuroses — à custa do resto da sociedade ser
reduzida a admirá-los admirando-se teatro a fora na sociedade.
A encenação de ‘O Jardim das
Cerejeiras’ por Tiago Rodrigues, apresentada no Teatro Odeon, vem confirmar
esse movimento de nossa época, uma abertura — além da renúncia das tradicionais
cortinas e outros rituais cool, que desvirtuam e renunciam a tradição
teatral em um simulacro de falso brilhante compartilhado por um grupo de atores
que correm como frangos decapitados de um ponto ao outro da cena em figurinos extravagantes.
Um espetáculo prolongado por uma canção francesa mais artificial do que seu
dispositivo, precedida por um curto monólogo que nos remete a necessidade de se
portar uma máscara para a voz, outra falha de nossa época, onde se contentam,
como todo mundo, em falar num microfone amplificado; este momento cênico precede
a aparição de Isabelle Huppert presa na máscara mortuária de nossa época — cheia
de maquiagens e de intervenções tão diretas que fogem de seu destino narrativo —
congelada em frente ao público com roupas cerimoniais, satisfeita e silenciosa,
antes de nos dizer suas inquietudes em relação a perda de sua árvore cerejeira
— inquietude dita e interpretada sem distanciamento nem ironia; e assim somos
convencidos, grande parte do público de Odeon, de que a nostalgia dessa
personagem se dá pelo seu
confinamento, em sua vasta propriedade, que sua província lhe deu a impressão de
se conectar aos outros, mesmo estando ilhada, assim também se deu a sensação ao
público de Avinhão.
Uma desesperante mise en abime
de nossa época oca. Um desolante sintoma de uma falta de fôlego do qual nada
pode nos salvar — incluindo a contrapasso atores desempenhando outros
papéis, num gesto que não faz nada mais do que afastar seu ponto de visto do
mundo, escolhendo assim à voz da exaustão, trazendo o reconhecimento tardio da
enfermidade de nossa época.
Talvez daqui 20 anos os gillet
jaunes serão os mendigos que Victor Hugo apurou, se agitando como um
cadáver atrás da classe dominante, perguntando-se sobre os problemas que a
modernidade não para de produzir, uns sátiros de aparência que diz estar apaziguando
tudo. Então, o público vai gostar. Ou vão se perguntar o que é artificial e
inusitado, coisas que esse dispositivo continua a colocar em cena. Sobre a
repetição mórbida de que depois de um século se satisfaz em colocar em cena sua
própria futilidade.
A despeito da urgência do mundo. O
teatro francês, mesmo o subvencionado, internacionalizado e falsamente africanizado
está morto e embalsamado.
É hora de se livrar dele e o
enterrar de uma vez por todas.
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